Integração difícil

Fonte: Pini


Diretor de projetos e coautor de trabalho sobre coordenação mostra onde as construtoras mais erram


Luciana Tamaki


Marcelo Scandaroli
MARCO ANTONIO MANSO
 É diretor de projetos e orçamentos na Fortenge Engenharia, onde ocupou o cargo de orçamentista entre 1990 e 1998. Foi um dos fundadores, em 2006, da Associação Brasileira dos Gestores e Coordenadores de Projetos (Agesc), da qual atualmente é vicepresidente administrativo. Marco Antonio Manso graduou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia São Paulo (Fesp) em 2000 e tem mestrado em Habitação: Planejamento e Tecnologia pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) em 2006. Junto com Cláudio Mitidieri, publicou o livro "Gestão e Coordenação de Projetos em Empresas Construtoras e Incorporadoras" (Editora PINI, 2011)
A valorização da coordenação de projetos é sentida pelo menos desde a década de 1980, com a reestruturação competitiva do mercado e a forte especialização de cada agente da construção. Com a especialização, as responsabilidades se dividem, e é aí que mais se sente a necessidade de um líder que dê um rumo ao trabalho, oriente sobre as diversas possibilidades, garanta a comunicação entre os setores. Para Marco Antonio Manso, este papel pode ser feito por uma pessoa ou um departamento, interna ou externamente, dependendo mais da estratégia competitiva da empresa que de seu porte. Em qualquer um dos casos, o que se deve garantir é o acúmulo de experiência para contínua melhoria do produto final. Para isso, há mecanismos, como acompanhamento da obra, checklists, avaliação pós-ocupação. Mesmo que tais procedimentos soem burocráticos, metas para cumprir são sempre necessárias, defende Marco Antonio. Outra questão importante é o fluxo de trabalho, para que a coordenação coopere a favor e não contra as tomadas de decisão. O papel do coordenador é subsidiar incorporadora e construtora com todas as informações necessárias para que se faça rápidas e acertadas decisões sobre a estrutura do empreendimento e o encaminhamento de sua obra. Essas e outras questões são discutidas na entrevista a seguir.
Esquema representativo do sistema de gestão e coordenação de projetos centrado na figura do coordenador. A integração dos diversos intervenientes ocorre por meio da gestão do conhecimento e das ferramentas de gestão do processo (Manso e Mitidieri Filho, 2006)

Como surgiu e o que é a coordenação de projetos? Surgiu da necessidade de integração, pois hoje o projeto tem vários intervenientes, mais especializações, e cada um é responsável por uma parcela menor do projeto em si. Além da integração, a coordenação tem que dar o rumo do projeto, garantir que ele atinja os objetivos definidos no plano estratégico da construtora. Uma de suas principais funções é o planejamento. Também existe a questão da integração da equipe, não só dos projetistas, mas a integração com os outros agentes, como o construtor, a incorporadora, o cliente externo.

Quando se começou a sentir o aumento das especializações e do número de intervenientes? Desde a década de 1980, em que houve praticamente uma reestruturação da estrutura de competição das empresas, essa especialização começou a ser mais forte. A partir daí, houve uma valorização maior da coordenação, porque as empresas começaram a perceber que é no projeto que se define praticamente toda a competitividade do produto e onde se definem os custos. Uma vez fechado o projeto, o ganho que se pode ter na obra é muito pouco.

A coordenação de projetos é uma função ou o resultado de várias colaborações? Colaboração, sem dúvida. Em função do aumento do número de intervenientes, há muito mais pessoas envolvidas não só no projeto, mas também a incorporadora, uma gerenciadora, o pessoal da produção, o retorno da assistência técnica. Assim, acabamos por ter as responsabilidades mais divididas, em parcelas cada vez menores, resultando em um trabalho colaborativo. No entanto, creio que a figura do coordenador tenha que existir como um gerente do processo, alguém que dê um norte à equipe.

Se as atividades são divididas, então qual a responsabilidade do coordenador? É dele a responsabilidade principal para o processo dar certo e o projeto sair de acordo com as expectativas dos vários clientes, que às vezes não são as mesmas. O que é qualidade para o incorporador pode não ser o mesmo para o construtor. Para o incorporador, qualidade do projeto é atingir o público- -alvo; para o construtor, a qualidade é, além de atender às expectativas do público- alvo, ter um projeto claro, que seja fácil de construir, e que seja seguro.

Muita gente confunde um pouco coordenação com compatibilização, mas coordenação é muito mais que isso. Compatibilização é uma parte muito pequena da coordenação

O coordenador também precisa gerenciar pessoas?
Sim. Sua primeira tarefa é ser um gestor do processo, mas ele também tem que ter perfil de negociador, porque ele vai estar o tempo todo negociando demandas conflitantes, além de ter que motivar a equipe. Muitas vezes, são necessárias alternativas de projeto. O projeto não vem de uma vez, é um processo evolutivo e interativo, e o coordenador tem que fazer com que as pessoas tragam as soluções. O coordenador tem que estar antenado com o mercado para saber o que está acontecendo, quais as tecnologias disponíveis, para discutir com o projetista sobre outras maneiras, outros sistemas.

Pode-se dizer que a coordenação de projetos é uma forma sugerida de organização, com base, por exemplo, nos procedimentos ISO? Sem dúvida o modelo ISO 9001 é importante, não só para a coordenação, mas para todo o processo da empresa, para garantir o ciclo PDCA (Plan - Do - Check - Action). O processo de coordenação tem que ser criado com base nos procedimentos da norma, mas não é fruto somente disso. Para garantir a evolução contínua do processo de projeto, tem que ser montado com base no planejamento estratégico da empresa, o que ela quer, sua previsão de crescimento, o tipo de mercado em que ela vai atuar, seu tipo de produto, se vai ter coordenação interna ou externa etc.

O coordenador também faz parte desse planejamento estratégico? Normalmente, o coordenador não participa da formulação da estratégia da empresa, isso faz parte da alta direção, mas é importante que ele conheça essa estratégia e a expectativa da empresa para os anos seguintes.

É melhor que a coordenação seja feita por apenas uma pessoa ou isso requer todo um departamento? Não existe um modelo único, depende da empresa e até mesmo do tipo do empreendimento. Hoje há basicamente quatro modelos. Primeiro, uma coordenação interna à empresa (incorporadora ou construtora) e, dependendo do porte da empresa, pode ser uma pessoa ou um departamento inteiro. Outro modelo é uma coordenação externa, contratando-se um profissional ou uma empresa de coordenação. Também há um modelo, que não vemos tanto, que é o arquiteto autor do projeto ser o coordenador. Por último, existe o modelo misto, em que pode haver um coordenador ou departamento interno e também se contratar externamente.

A coordenação deve ficar na incorporadora ou na construtora? O projeto tem um ciclo de vida de seis a oito meses, até mais de um ano. Sua responsabilidade é parte da incorporadora e parte da construtora. As incorporadoras mais estruturadas têm departamentos inteiros de coordenação, já as menores não têm. Antigamente, as incorporadoras passavam o pacote pronto para o construtor, mas, muitas vezes, a tecnologia da construtora era outra. Muitas vezes acontecia de as construtoras refazerem boa parte do projeto. Hoje em dia, muita gente faz um básico, e a construtora é contratada para terminar de desenvolver o projeto e executar a obra. Então essa coordenação começa na incorporadora e termina na construtora.

Em relação ao tamanho da empresa, há um modelo mais adequado a empresas menores e outro para empresas grandes? Depende muito da estratégia competitiva da empresa. Uma empresa menor não terá um departamento todo, mas pode ter um profissional que faça, entre outras tarefas, a coordenação. Este profissional também pode contratar fora a operacionalização da coordenação, por exemplo: quando uma empresa já tem seu sistema construtivo e trabalha com vários projetistas, sempre que contrata um projetista novo, leva-se certo tempo até que ele se acostume com a empresa e adote seus padrões. É preciso que alguém de dentro faça a gestão do conhecimento, garantindo o ciclo de desenvolvimento contínuo do produto. A coordenação não morre quando se entrega o projeto, tem que garantir que os ganhos se repitam e que os erros não ocorram nas obras seguintes.

Você tem exemplos do que se pode evitar com a experiência? Um erro simples é não ter no projeto a representação da escada na piscina. Quando se percebe, a impermeabilização do térreo já foi feita e a piscina está pronta. Aí tem que quebrar o piso, quebrar a impermeabilização. É preciso um checklist, que é alimentado por um feedback do que aconteceu na obra, além da assistência técnica e avaliação pós-ocupação.

Como implantar a coordenação sem inchar a empresa com mais uma organização burocrática? Claro que há uma parte um tanto quanto burocrática, que são os procedimentos, formulários e registros para o atendimento à ISO. Mas os formulários e procedimentos devem ser objetivos, não devem ser apenas para cumprir as exigências da norma. É preciso fazer procedimentos que garantam o aprimoramento contínuo dos produtos, a gestão do conhecimento, o ciclo PDCA. É preciso fazer o acompanhamento e, no final, há o retorno, para alimentar os checklists, formulários de verificação etc. Também são necessários contratos formalizados em que se veja o conteúdo técnico, e não somente aspectos jurídicos. Em parte é burocrático, mas tudo que se escreve e que seja uma meta para cumprir é válido e necessário.

O acúmulo de decisões que a coordenação requer não engessa, de certa forma, o fluxo do trabalho? Este é um problema sério. Na fase do projeto ocorre o maior número de decisões. Por exemplo, define-se o modelo estrutural a ser adotado, e na maioria dos casos quem decide não é o coordenador, mas o cliente, que nem sempre está presente nas reuniões de coordenação. Muitas vezes o incorporador participa das primeiras, porque ele quer decidir sobre o produto, mas a parte técnica importa pouco para ele, desde que se garanta o desempenho. Então, para passar de uma reunião para outra sem engessar, é preciso subsidiar essas decisões. Para tomada de decisões, por exemplo, sobre um sistema construtivo, o coordenador deve solicitar aos projetistas as alternativas para levá-las para a construtora, com todo tipo de análise de cada escolha.

A utilização, por exemplo, de uma plataforma BIM não eliminaria a necessidade de uma pessoa encarregada apenas de verificar sobreposições nos projetos? Isso não pode ser feito por uma tecnologia? O BIM é um capítulo à parte. Muita gente confunde um pouco coordenação com compatibilização, mas coordenação é muito mais que isso. Compatibilização é uma parte muito pequena da coordenação. Aqui na Fortenge entendemos que a compatibilização, verificação de sobreposições etc., é responsabilidade de cada projetista dentro de sua especialidade. Quem faz hidráulica, por exemplo, não pode simplesmente planejar um tubo sem analisar se há uma viga ou pilar interferindo. Com o BIM, esperamos que este trabalho acabe. Mas esperamos do BIM muito mais que isso, como uma análise de desempenho do produto e, principalmente para a construtora, uma extração da quantidade de serviços para o orçamento, que seria uma ligação direta com softwares de orçamento e planejamento. Achamos que isso vai ter uma mudança muito grande, tanto na forma de projetar como na forma de coordenar.

Como? Hoje, há várias bases de desenho, uma para cada fase e para cada projetista, que são colocadas em repositórios de arquivos tipo sites colaborativos. Há vários no mercado. O arquiteto faz a base e a disponibiliza, depois todos baixam a base, trabalham em cima dela e fecha- -se uma etapa. Já no BIM, trabalha-se com arquivo único. São arquivos maiores, a infraestrutura tem que ser melhor, tanto de software como hardware, para rede, tráfego de dados etc. O próprio perfil do projetista vai mudar.

O senhor poderia dar um exemplo das consequências de ter e não ter a coordenação de projetos em uma construtora? Primeiro, inviabilização de solução por falta de dados ou não participação de todas as especialidades. Uma vaga de garagem que não cabe, porque não se estimou de forma precisa a interferência estrutural no dimensionamento feito com a planta da prefeitura, por exemplo. Outro ponto é a diferença entre produto projetado e comercializado. Hoje em dia é mais raro, mas acontecia bastante. Também a deficiência ou inexistência de planejamento: alguns coordenadores não têm bagagem de planejamento e o fazem de forma muito empírica, e o planejamento acaba não se concretizando.

Tem coisa mais grave? Tem, por exemplo, quando se opta por sistema construtivo inadequado, por falta de visão global ou da cultura da empresa construtora, quando essa coordenação é feita somente na incorporação. Outro item é a não garantia de melhoria contínua. Quando não há coordenador interno, os ganhos que se teve nos projetos ao longo do tempo acabam não sendo cristalizados, e os erros podem ser repetidos.

E que etapa ou área a figura do coordenador de projetos faz mais diferença? O importante é que ele esteja no processo todo, desde o começo, auxiliando na decisão técnica do terreno até o pós-obra. Ou seja: ele tem que passar pela incorporação, auxiliando no terreno, na definição do produto - cuja definição também tem uma parte técnica -, no desenvolvimento do projeto propriamente dito, na apresentação do projeto à obra, no acompanhamento de seu uso, e, depois, colher as informações da assistência técnica e da avaliação pós-ocupação, se possível.

Como a coordenação de projetos pode resultar em racionalização financeira? Existe uma curva de custo incorrido x capacidade de influenciar o custo. Quando se começa o projeto, o custo é pequeno, pode ser de 3% da obra, e sua capacidade de influenciar o custo é a máxima possível. Essa capacidade vai diminuindo drasticamente durante o projeto, e durante a obra essa capacidade é muito pequena, porque as grandes decisões já foram tomadas. Na obra, pode-se diminuir os custos operacionais, contratar um pouco melhor determinado sistema, mas isso não muda a obra de patamar. Então, é na fase de projeto que se consegue dar ou não um ganho para a empresa, fomentando as alternativas por parte do projetista.

Como saber qual a melhor alternativa? Para saber o que é melhor ou pior, é preciso fazer um pré-dimensionamento, para o coordenador ir ao mercado e orçar cada um. O pré-dimensionamento demanda um trabalho do projetista, mas é aí que está a parte intelectual do trabalho. Às vezes, ele não conhece uma solução, mas tem que estudá-la, é sua obrigação. Nesse ponto, a coordenação tem que fazer toda a diferença para a empresa. Se o coordenador for um pouco mais acomodado e não pedir essas alternativas, pode-se perder uma chance de racionalizar custos e evitar riscos.

O papel do coordenador está sendo valorizado? Acredito que sim. Mas temos que formar mais coordenadores, precisamos de mais cursos. Um dos objetivos da Agesc [Associação dos Gestores e Coordenadores de Projetos] é fomentar o desenvolvimento da coordenação.

O caminho é a formação? A qualidade do processo de projeto é inicialmente determinada pela competência das pessoas. Falar de tecnologia e tudo que discutimos sem profissionais capacitados não funciona, seja BIM, sistema colaborativo etc. Para que se atinjam todos esses resultados, precisamos de pessoal capacitado.
Livro
Gestão e coordenação de projetos em empresas construtoras e incorporadoras
- Da escolha do terreno à avaliação pósocupação. Editora PINI, 2011.